Por Revista Crescer
O pequeno Miguel Rosa dos Santos, um jovem autista de 9 anos, sempre teve um verdadeiro fascínio pelos números. Aos dois anos, ele conseguia fazer cálculos de adição e subtração e com quatro já sabia até mesmo a tabuada. Sua facilidade com as áreas das exatas abriu espaço para o aparecimento de novas paixões, como o estudo dos planetas. Impressionado com o funcionamento das espaçonaves e foguetes, o garoto, um dia, se virou para a mãe e disse que queria ser engenheiro aeroespacial.
Com altas habilidades, o pequeno, de Presidente Prudente (SP), é uma das crianças superdotadas do Brasil. Esse grupo é conhecido por ter um desempenho acima da média e rápido aprendizado em comparação com os colegas da mesma idade. Em seu “currículo”, Miguel, que é membro da Mensa (sociedade para pessoas com alto QI), já acumula muitas conquistas, incluindo a descoberta de 200 exoplanetas e mais de 60 medalhas em olimpíadas de conhecimento, a maioria na área de matemática, sendo oito destas internacionais.
Em junho deste ano, o jovem aluno do 4º ano do Ensino Fundamental foi aprovado no vestibular de engenharia de software na Unoeste, Universidade do Oeste Paulista. Embora ainda seja estudante da educação básica e, portanto, não possa ingressar oficialmente no curso, o pequeno vem desenvolvendo projetos com os pesquisadores do programa de doutorado da instituição.
Em entrevista à CRESCER, a coordenadora de gestão pedagógica, Josiane Luzia Mendonça dos Santos, de 43 anos, relatou que não cogitava que o filho poderia ter altas habilidades. “Achávamos que era hiperfoco do autismo”, disse ela. No entanto, com o tempo, os sinais começaram a ficar cada vez mais perceptíveis. O menino foi ampliando seus interesses, além de astronomia, também desenvolveu um forte entusiasmo por robótica, chegando a montar um trenzinho movido à energia solar. “Outra coisa que nos deixou admirados foi ele montar um quebra-cabeça de mil peças em menos de duas horas aos quatro anos”, a mãe revelou.
O autismo
O diagnóstico de autismo é bem desafiador, no entanto, há alguns sinais que acabam chamando a atenção dos pais. No caso de Miguel, Josiane percebeu que o filho apresentava um comportamento atípico desde bebê. “Ele não fazia contato visual, não gostava de contato físico, tinha seletividade alimentar e hiperfoco. Mas acabamos postergando a busca por diagnóstico”, ela explicou.
Quando o pequeno entrou na idade escolar, em 2019, a família decidiu fazer uma avaliação com um especialista, mas Miguel sofreu uma parada cardiorrespiratória e, devido às complicações e internações, ficou fora da escola por três anos. Em 2021, o menino foi examinado por um neuropediatra especializado em autismo que confirmou o seu diagnóstico e alertou à família sobre a possibilidade de Miguel ser uma criança superdotada.
Segundo a mãe, atualmente, o pequeno faz acompanhamento com um neuropediatra e psiquiatra infantil, além de também ser monitorado por um cardiologista. Devido à superdotação, Miguel precisa ser estimulado, por isso, faz vários cursos extras e, inclusive, é aluno ouvinte da pós-graduação em física da UNESP (Universidade Estadual Paulista). “Graças a Deus ele tem uma equipe multidisciplinar maravilhosa, que são mais do que profissionais, já se tornaram uma família para nós”, a mãe destacou.
Para Josiane, um dos maiores desafios é evitar que o filho perca o entusiasmo com os estudos. “O Miguel acha os conteúdos de seu ano desinteressantes, e apesar da escola estar fazendo um bom trabalho na parte da sociabilização, ele se sente muito desmotivado”, disse a coordenadora de gestão pedagógica. Além disso, ela ressaltou que o filho já sofreu bullying enquanto estudava em uma outra escola. “Era chamado de estranho, anormal, fora outros nomes que eu prefiro nem mencionar, o que acabou criando uma certa resistência ao ambiente escolar”, desabafou.
Conquistas
Entre seus maiores feitos, para Miguel, o mais especial foi o Prêmio Sócios Mirins AEITA – Associação dos Engenheiros do ITA, de 2022. Anualmente, a instituição seleciona 10 crianças talentosas nas áreas de Ciências, Engenharia e Inventividade, privilegiando especialmente temas ligados ao setor aerospacial ou tecnológico. Os pequenos fazem parte de um seleto clube de jovens talentos brasileiros que têm a oportunidade de conhecer o polo aeroespacial brasileiro.
A partir desse prêmio, o estudante conheceu os programas de ciência cidadã da Nasa, incluindo o Caça-asteroide. “Quando participou a primeira vez, se apaixonou. Ano passado, ele recebeu medalha de prata em Brasília, na semana de Ciência e Tecnologia, por causa das detecções”, disse a mãe orgulhosa. Miguel já detectou 56 asteroides preliminares e já catalogou mais de 200 exoplanetas. “Ele tem hiperfoco nas ciências aeroespaciais e o projeto de vida dele é ser Engenheiro Aeroespacial, formado pelo ITA, para criar novas tecnologias para melhorar a vida da humanidade. Agora, ele afirma que depois de formado pelo ITA vai criar a NASA brasileira, pois ‘o nosso país tem profissionais excelentes e tecnologia de ponta, além de locais com melhores condições de lançamento de foguetes’”.
Para Josiane, as crianças autistas superdotadas possuem um perfil único, uma vez que suas habilidades extraordinárias coexistem com os desafios. “Apesar de suas altas habilidades, essas crianças enfrentam dificuldades significativas em áreas como a comunicação social, a interação com os outros e a regulação emocional. Há um equívoco de que uma criança autista que é superdotada deve ser ‘autossuficiente’ ou que não precisa de ajuda, sendo que, na verdade, elas necessitam tanto de suporte quanto outras crianças, só que em áreas diferentes”, a mãe ressaltou.
A coordenadora de gestão pedagógica destacou que é importante que os alunos recebam um suporte personalizado que reconheçam suas habilidades e também dificuldades. “Romper estereótipos e ‘rótulos’ é essencial, pois ao valorizar a diversidade dessas crianças criamos um ambiente acolhedor e estimulante para que elas se desenvolvam integralmente e alcancem seu pleno potencial podendo contribuir e muito para toda a sociedade. Não é um laudo que define o futuro de uma criança, é o que fazemos a partir dele, e isso envolve todos”, finalizou.
Como identificar uma criança superdotada?
De repente, a criança com menos de três anos começa a ler palavras, contar até 100 e falar outra língua. Ao se deparar com essas situações, alguns pais ficam assustados com o rápido desempenho dos pequenos. Mas, o que eles estão vendo pode ser um caso de superdotação. Segundo a neuropsicóloga Deborah Moss, mestre em psicologia do desenvolvimento (USP), esse conceito está relacionado com uma habilidade “natural”, diferente de quando você treina e consegue ter um bom desempenho.
No entanto, é de extrema importância que essas crianças sejam estimuladas adequadamente. “Essas pessoas têm áreas do cérebro mais desenvolvidas e, por isso, também precisam ser mais estimuladas desde pequenas. Por exemplo, precisarão de um trabalho de inclusão na escola, pois esse desempenho acaba interferindo na questão do estímulo e do interesse. Se tudo for muito fácil, a criança fica desmotivada e acaba tendo problemas de comportamento”, diz.
Caso não sejam identificadas cedo, elas podem até mesmo cair no desempenho, simplesmente por falta de estímulo. Na opinião da neuropediatra, infelizmente, o Brasil não está preparado para identificar essas crianças. “Algumas escolas investem nisso, mas ainda são minoria. Esse alto desempenho já aparece na infância, então, mesmo num contexto familiar, essas crianças costumam destoar. Não é difícil, mesmo para pessoas leigas, perceberem as diferenças. Por isso, a orientação é buscar, em um primeiro momento, um neurologista para fazer uma avaliação e os encaminhamentos”, completa.
Um dos instrumentos utilizados para a “medição da inteligência” é o teste QI. “São testes de várias habilidades cognitivas que fazem essa medição. Quando falamos que uma pessoa é superdotada, estamos nos relacionando a altas habilidades, que pode ser em uma ou mais áreas.
Normalmente, são pessoas que têm um desempenho muito maior, mais rapidez e respostas mais elaboradas quando comparadas às outras da mesma faixa etária. As pesquisas ainda são muito inconclusivas em relação às causas, mas alguns estudos falam em questão genética”, explica a neuropsicóloga.